Jesus Garcia, 25 anos, vive com a mulher e dois filhos no bairro da Boa-Fé, concelho de Viana.
Um jovem desempregado conta com a ajuda de familiares e de sua esposa para sustentar a casa.
Na manhã de segunda-feira, na companhia de um amigo, Jesus recebeu uma mensagem de um agente identificado apenas por Kimba que a Polícia Nacional estava a integrar novos membros.
Para garantir os lugares, ele e outros dois amigos entregaram ao referido pessoal vários documentos de identificação e uma quantia de 450.000 Kwanz. Mas um ano depois, eles não receberam nenhuma mensagem do facilitador.
Devido à pressão que Jesus e seus amigos exerceram, a suposta polícia nacional passou a evitar fazer ligações telefônicas e até mudou de residência várias vezes.
Um dia, os jovens encontraram um polícia em Viana e obrigaram-no a devolver o dinheiro, mas Kimba confessou que já tinha gasto o dinheiro.
Enfurecidas, as vítimas de Kimbo o receberam no veículo em que viajava. Assim mesmo, o agente devolveu 150 dos 450.000 kwanz alguns dias depois, prometendo liquidar a dívida total no mês seguinte.
Mais uma vez, a promessa não foi cumprida. Jesus e amigos, que já tinham devolvido a viatura por não ser propriedade de Kimbo, esperaram seis anos para receber os 300.000 Kwanzas desaparecidos.
Para obter a conflitante história de Jesus, o Jornal de Angola tentou contatar o agente Kimba por telefone, mas não teve sucesso.
Mas o caso de Jesus e amigos não é único. Apenas o desejo de um emprego gratuito levou muitos jovens à fraude. Existem vários relatos de cidadãos que afirmam ter sido vítimas destas práticas, sobretudo quando são feitas promessas de garantia de passagens à polícia nacional, forças armadas, serviços de educação e saúde.
A situação é ainda mais preocupante quando os protagonistas dessas ações são membros de alta patente das Forças de Lei e Segurança, como aconteceu há alguns anos, quando até um comissário de polícia e um agente foram demitidos da corporação, após receberem dinheiro para supostamente incriminar alguns cidadãos.
Inspeção policial mais próxima
A área de fiscalização da Sede Geral do PČR, que funciona há dois anos, possui um Centro de Atendimento ao Cidadão, onde podem ser denunciados casos de funcionários da empresa com comportamento desviante ou em violação ao regulamento da instituição.
O chefe do centro, superintendente Mateus Francisco de Almeida, explicou que se trata de um gabinete de apoio ao utente que está directamente dependente da Inspecção da Polícia Nacional.
Esse escritório atende cidadãos vítimas de fraudes, extorsões e agressões físicas ou psicológicas, bem como casos de policiais acusados de evitar a paternidade, entre outras coisas relacionadas à má conduta de funcionários de empresas.
Cinco reclamações por dia
O centro, que funciona no Quartel-General da Polícia Nacional na Marginal de Luanda, recebe por dia cinco cidadãos que apresentam queixa contra agentes da corporação.
O superintendente Mateus de Almeida explicou que após ouvir a denúncia, a vítima é encaminhada para o Inspector-Geral da Polícia Nacional e daí para o Departamento de Instruções Processuais, órgão que dá início ao processo de investigação, por intimação do arguido, por contraditório .
Para os cidadãos que não queiram deslocar-se a este posto e apresentar queixa, está disponível o terminal 117, que tem o mesmo efeito. A partir dessa linha, é possível condenar a má conduta dos policiais.
Manuela Bernardo, que apresentou queixa contra o marido, inspector da Polícia Nacional, que não sustenta os filhos, preferiu dirigir-se ao Centro de Atendimento ao Cidadão. O acusado já foi notificado e responderá ao processo.
Os casos mais comuns
O responsável disse que os cidadãos acorrem ao centro para denunciar à polícia a falta de subsídio de alimentação, registo de filhos, fraude, dívida e prática de agressão física na maioria dos casos.
No entanto, o centro também intervém nos casos em que os funcionários morrem e a família não recebe o subsídio de funeral.
“Os cidadãos nesta situação podem dirigir-se ao centro para serem informados sobre os casos através da abertura de queixa, para verem a situação das crianças resolvida”, enfatizou Mateus de Almeida.
Além disso, disse ele, as mulheres também são instruídas a se dirigirem à sala da família do tribunal para abrir um processo sempre que se sentirem injustiçadas.
No caso de ofensas à integridade física, ou seja, policiais que espancam suas esposas ou vice-versa, as vítimas são atendidas em um centro onde são convidadas a registrar uma ocorrência criminal no Serviço de Investigação Criminal (SIC).
O superintendente Mateus de Almeida também falou sobre reclamações sobre dívidas que os funcionários da corporação têm nos bairros onde moram ou são frequentes.
Relativamente ao assunto, o responsável salientou que a maior dívida registada pelo centro foi a de um funcionário que teve de pagar dois milhões de kwanzas e por não poder pagar, evitou pagar mas o caso foi resolvido.
Fase de reconciliação
Com o escritório de apoio ao usuário, o centro tem, entre outras coisas, um gerente, dois supervisores, brigadas de inspetores, departamento de estatística, operadores de TI, sociólogos.
A chefe do Gabinete de Utentes, subinspetora Engrácia Josias, salientou que muitos casos, como a violência doméstica, não prosseguem porque depois de falar com os técnicos do centro, as partes envolvidas decidem reconciliar-se.
No entanto, se o infrator for reincidente em termos de agressão física contra a mulher ou o marido, é instaurada queixa e o arguido é interrogado e sujeito a processo disciplinar com agravamento. Nem todos os casos do país acabam no centro de Luanda, pois cada província tem um serviço semelhante nas áreas de controlo da sede provincial da Polícia Nacional.
Centenas de casos registrados
Nos últimos dois anos, desde 15 de setembro de 2020, a Central de Atendimento ao Cidadão registrou 730 casos envolvendo policiais.
O superintendente Mateus de Almeida descreveu 205 casos de não fornecimento de alimentos, 100 casos de violação da integridade física, 180 casos de dívidas e 120 casos de negociações trabalhistas com a Polícia Nacional.
Além destes casos, o centro também apresentou 55 queixas contra a polícia por ameaças de morte, 40 quebras de confiança e 30 casos de usurpação de bens públicos.
A demissão é a sanção mais severa
Se a denúncia for comprovada, o acusado ou os autores podem ser punidos com diversas medidas, sendo a mais grave a demissão da corporação.
Mateus de Almeida referiu-se a casos de fraude ou falsas promessas de emprego envolvendo montantes superiores a 200.000 Kwanzas.
Depois de descobrir a situação, a polícia é sancionada, pois é uma violação grave dos regulamentos da instituição, que pertence ao Ministério do Interior. "A pena máxima é demissão e temos alguns casos de demissões por má conduta."
O responsável do centro sublinhou que muitos cidadãos não têm cultura de denúncia, como é o caso de Jesus Garcia e amigos, que preferiram tratar diretamente com os arguidos, mesmo sabendo que os seus direitos tinham sido violados pelo agente da polícia.
Manuel de Almeida disse que o centro trabalha com brigadas de fiscalização, que são forças-tarefa apoiadas por patrulhas que vão ao local para detectar o comportamento da polícia.
No entanto, o responsável deixou claro que o sucesso do serviço do centro depende dos cidadãos que devem ter a coragem de denunciar sempre que virem os seus direitos a serem violados pela polícia.
"Mesmo que seja um comissário oficial, o lesado pode dirigir-se ao centro e apresentar uma preocupação. Se a alegação for comprovada, responderá à luz do processo disciplinar eficaz", garantiu.
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